segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Mínimas fidelidades noturnas


Não está, não aqui, se foi, esvaziou, desfez, transformou-se e diluiu, isso resume a sua presença ausente, vc que agora não está em seus olhos que me espelham como desconhecida, para onde foi a doçura dos teus olhos? Gostaria de saber o que te leva assim de mim, me deixando meio opaca.
Os sons da noite me assustaram e me fizeram chorar, mas vc não estava lá para me consolar, rompeu com nosso pacto noturno, aquele que fizemos no dia em que vc me acolheu no teu ombro e eu em meu sono te jurei amor. Foste tão ausente de mim que quase morri de frio, e os tremores do inverno só se acalmaram na insistência da lembrança de noites mais quentes para nós, noites em que faço do despir-me um pedido, dos dedos enlaçados nas voltas dos cabelos, nas voltas do corpo, do silêncio permissivo, e em que a tua imagem resumida são seus olhos refletindo os meus pela proximidade de nossos corpos.
Vc me visitou em meu sono para me dizer que estava tudo bem, mas ao meu lado ignorou o roçar da minha pele nua na tua, e isso me doeu, sou presa as nossas mínimas fidelidades noturnas, o rito conhecido do nosso leito, mas o carinho dos teus pés nos meus parece ser só o que me sobrou esta noite.
Vou fazer a tua essência prevalecer à tua existência da noite de hj, e continuar amando as tuas simples imperfeições que se vão com a chegada do alvorecer, sonhei com estas palavras uma à uma toda à noite da tua ausência, e só desejo que no seu despertar os teus olhos me reconheçam e vc volte para mim.

Eu era, eu fui, eu sou


Deixe que eu respire, deixe que eu consiga sentir o ar entrar em meus pulmões, deixe que eu sinta minha pele arder, deixe que eu sinta doer, as vezes é preciso que doa, para se saber que é real, que se está vivo. Preciso ter certeza de algumas coisas, e todas essas coisas são aquelas que não se pode dar certeza de nada, deixe eu ser parte de algo, sou parte de tudo e de todos que passaram por mim, no entanto não sou ninguém, sei que sou alguém, mas não sei quem sou, como se tivesse acordado nesta vida, neste corpo, depois de uma amnésia. Sou uma e várias, fui, sou, estou, todas as mil almas em mim, em um jovem rosto e uma velha alma, tão milenar quanto a areia minha alma envelhecida, como se os dias nunca fossem novos e todas as ruas fossem velhas conhecidas.
O mundo não me quis, rompeu comigo no ímpeto do meu inicio, e quis me guardar para outras épocas, mas eu insisti, agarrei minha teimosia e continuei, tornei-me um caos, uma desordem milimétricamente organizada, e em minha espera abdiquei para voltar, mas só poderia voltar ao mundo sem identidade, motivo de minha queda, eu que nasci para não me encaixar em nada, me encaixaria em qualquer espaço, seria volátil, solúvel, e metamorfa, embora não faça parte de nada.
Eu aconteço para o mundo, embora o mundo não aconteça para mim, eu aconteço e morro em toda a inércia dentro de mim do mundo que gira em meu ventre, meu ventre inerte, eu era, eu fui, eu sou, todos os pretéritos futuros deste presente.
Eu nunca teria a tão prometida alma gêmea, por ser unica, por não ter alma, não poderia encontrar a metade do que não existe, e este foi o preço da minha rebeldia, seguidoura das minhas solitárias horas, a descoberta disto, me enlouqueceu aos gritos, gritos que partiram de mim para o mundo e de repente se fundiu com o tudo e todos que não eram eu, nem meus, e aos prantos implorei o perdão, que me foi negado, então me dispus ao pacto, em um pequeno vidro mil lágrimas pela promessa...
... fui prometida pelas cartas e entregue pelas peças.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Nenhum deles se perpetua


Nenhum deles se perpetua, todos se vão, todos que por algum motivo deveriam ficar, todos que desejei que ficassem, a sensação é igual a de tentar segurar a água fechando punho, ela escorre entre os dedos e o que sobra são só vestígios de uma mão úmida.
Nos primeiros anos achei ser por culpa minha, o motivo era meu peso, era pesada demais, uma responsabilidade que não se pode ganhar, é a responsabilidade que tem que ser desejada no intimo, mas nunca fui, e me tornei o peso, e como tudo que se torna insuportável manter junto de sí durante a jornada deve ser abandonado, assim foi feito. Já na mocidade a virtude se tornou encantadora, mas o encanto não dura, a entrega da virtude desfez o encanto, como papel na água que se passa muito tempo imerso, ao toque das mãos se desfaz até não sobrar nada. E a quebra do encanto despedaça sonhos, doces sonhos colecionados durante o amadurecimento de um fruto e mortos quando este fruto se choca já podre contra o chão , por fim é a morte de inocentes para alimentar pecadores.
Anos passam, feridas se curam, mas cicatrizes diferentemente deles, elas se perpetuam, e ficam lá gravadas na pele e na alma, para nunca serem esquecidas, para sempre marcarem a partida de um e a chegada do próximo.
Quando o mar se faz em calmaria, talvez seja um convite a navegar, já sou pirata, uma vez pirata sempre pirata, neste momento era dona de um veleiro que abrigava minha vida, e toda vez que um ancoradouro se tornasse amargo, minha felicidade iria aportar em outro lugar. Já cansada de tabernáculos e prostíbulos, aportei em um porto idoso, que só abrigava velha casas, pedi abrigo em uma e fui acolhida, mas sempre tratada com forasteira, nem os braços que me acolheram na intimidade dos lençois frios conseguia me fazer ser parte dali, eu era tempestade daqueles dias, e naquela casa só se conhecia calmaria, era um mundo indefeso de mim, mas era eu que precisava de proteção, e tudo que encontrei foi o saber que ''a carência eterna cansa''.
Desesperadores são os dias de abandonos, dias ocos, dolorosos e apertados, rasgar a pele e a carne, proporcionar a dor no físico talvez acalme a dor dentro de mim, talvez liberte meus pulmões para que eu volte a respirar, para colar o meu mundo em pedaços e entender que tudo sou eu, eu sou o tudo, eu faço e desfaço.
Os anos me ensinaram que o mundo não está preparado para mim, um universo não pode caber dentro de um mundo, então contive meu universo, tentei ser o que achavam que eu deveria ser, quase me sufoquei para me manter assim, a ponto de desistir, achei ter encontrado o que procurava. Promessas de um homem, vida de um rapaz, colo de um pai, isso tudo para mim, desde que eu renunciasse quem eu era, jurando com uma mão no peito e outra sobre a biblia, me daria tudo o que eu perdi durante os anos de minha vida, tudo o que me era de direito, agora seria meu, feito por mim, com minhas mãos, desde que eu pagasse o preço. No momento em que assinei com meu sangue aqueles papéis, o teatro encenado para me enfeitiçar os olhos, pegou fogo, se queimou por inteiro e o que sobrou foram apenas cinzas e roxos no braço.
Recomeça desfaz toda a beleza, ja é meu conhecimento que tudo que toco, se estraga, que eu os assusto e destruo, por isso não se perpetuam ao meu lado. Nasci para ser só, pq as cicatrizes dessa jornada já são grandes demais e não as posso esconder, já me deformaram e não posso mais disfarçar, sou suja, egocêntrica, inconstante e meio desmedida.
Ainda me resta uma pequena esperança de mudar o meu trágico destino, dei ela a vc em um potinho frágil de vidro, te contei e mostrei a essência do que sou, para que nunca digas que menti, ludibriei ou ocultei algo. No dia que bendisse o teu leito, esvai minha ira do mundo no sal do teu suor, ignorei minha fragilidade tornado-a ilicita, e lhe pedi com carinho para libertar-me das dores, afugentar-me o frio, que em troca teria minha companhia e nada mais.
Agora eu preciso de vc para acalmar minha eterna fome pelo amor, para que me faça entender que preciso deixar quem eu era, e me transformar em quem eu sou, eu só preciso que vc sobreviva à mim pq sou eu quem não pode te perder.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Coxas mornas


Admiro este homem deitado em minha cama, em um sono pesado de quem desfruta de algo essencial mas tbm racionado, este homem que logo assim que os raios de sol invadirem as janelas e rasgarem as cortinas despertará para mais um novo dia, e abandonará minha coxas mornas, ele se levantará dos meus lençois, e sentirá nas costas todo o peso de sua responsabilidade, partilhará comigo um café quente e um banho frio, vestirá suas roupas, me dará um beijo na testa e dirá com voz mansa que não deseja ir, mas terá, na porta me oferecerá um sorriso doce e um abraço apertado de despedida, para iniciar mais um dia pesado para ele, dia dividido entre cimento, andaimes e cal.
Em sua breve hora de descanso, me contará ao telefone seu cansaço e desanimo de um dia quente, mas ainda assim notarei em sua voz a satisfação de fazer o que se gosta. Ele voltará para sua rotina desgastante, entre luvas de procedimento, botas pesadas, cintos de segurança e capacetes, ele cumprirá com suas obrigações daquele dia.
Ao seu regresso o estarei esperando para servi-lo, não por obrigação, mas por orgulho de suas virtudes, lhe lavarei os pés para aliviar sua dor, lhe alimentarei a boca para lhe manter sempre forte, lhe satisfarei o sexo para agrada-lo em demasiado, e oferecerei o teu tão merecido descanso outra vez em minha cama e em minhas coxas, para que amanhã seja um novo dia.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

8234 noites


Bendito seja o teu sangue, vermelho, quente, e espesso que é o mesmo que corre em minhas veias.
Mas não tão benditas foram suas escolhas, escolhas de toda tua madura vida que me causaram tanta dor, que me doeram nos ossos e nas víceras. Hoje a miséria faz da tua casa morada e vc foi acometido pela doença da morte, hj a importância dos teus atos te importa, já à mim se faz indiferente, como que se em uma brincadeira do destino tivéssemos invertidos os papéis da nossa peça.
Talvez no teu não amanhã eu lamente o teu destino, talvez eu até chore a ausência do teu não amanhecer, e talvez esse choro tenha o mesmo sabor de todas as outras 8234 noites marcadas à ferro na minha carne com a força do teu abandono. O teu abandono que ainda me amarga a boca e os amores, que ainda me pesa nas costas toda tua covardia, que me envergonha a face frente à verdade, e que me faz menos virtuosa aos cavalheiros que me cortejam.
Me perdoe se estas palavras lhe parecem duras, mas toda a dor que tu me causou nesses anos de lamúria, me endureceu para algumas coisas. Respeito hj de alma branda as tuas escolhas do passado, entendo que há momentos em que escolhemos nossas prioridades, e entendo eu não ter sido uma em tua vida. Então por favor entenda eu não querer partilhar da tua dor e angustia neste momento . O mundo me ofereceu flores e eu aceitei, estou colhendo todos os dias desde que abandonei o ninho vazio e triste que vc abandonou mts anos antes de mim, por vezes em meu caminho aparecem alguns espinhos, que me machucam as mãos e furam os pés, mas aceito de bom grado desde que sempre hajam flores, flores que amanhã colocarei sobre teu caixão.
Sem remorso e de olhos secos te digo que vc fenecerá por suas escolhas, que o que vc plantou, agora terá de colher, e a semente desta colheita foi o sofrimento e desamparo de uma garotinha, então o que brota dentro de ti é algo podre que lhe corroe por dentro, e lhe fará definhar na frente do espelho, para que possa ver todo o terror dos olhos da garotinha, espelhado nos seus.
Ficarei triste mais uma vez o dia que escreverei mais palavras amargas sobre vc nos capítulos da minha vida, não exatamente pela tua morte, e sim porque sempre idealizei o dia da tua redenção, mas infelizmente para ti, o tempo acabou.